domingo, 27 de outubro de 2013

A Personagem "Contratadeira" na Etnografia e Folclore



Confesso que somente tomei conhecimento do vocábulo “contratadeira” associado ao folclore, há menos de três anos. A personagem foi-me apresentada por entusiastas dessa criatura folclórica. No universo folclorizado “ contratadeiras” ou “ contratador” (desconheço se existe essas personagem de facto ou se será somente o esposo) será a mulher que, vestida a preceito para tal função numa feira estabelece um contrato de compra e/ ou venda de gado, resumidamente.
     O trajo da “contratadeira” é o trajo da “lavradeira” ou da “ribeira” dependendo da região etnogeográfica baixo-minho acrescido de um chapéu, quase sempre castanho, de aba larga ou copa baixa. Para alguns folcloristas formatados, aqueles que insistem na divisão concelhia do Folclore o trajo de “contratadeira” é o trajo característico de Vila Nova de Famalicão. Retunda mentira. Além de Famalicão pode encontra-se nos grupos/ranchos dos concelhos de Barcelos, Esposende, Povoa de Varzim e Vila do Conde, isto é, nos grupos residentes no baixo Ave, no vale formado pelo rio Ave e pelo afluente rio Este (a titulo de curiosidade, este vale é uma das maiores regiões da Europa de concentração de gado vacum produtora de leite).
       Parece-me pouco credível que alguém, da época, se trajasse de modo excepcional para levar ou trazer um par de bois da feira a troco de alguns réis ou artigos agrícolas. A riqueza do material usado na confecção deste chapéu indica-nos tratar-se de um adereço fora do alcance das mulheres do campo, porque eram pobres, talvez mais em uso em algumas senhoras rurais.
     Quiçá, acessório copiado, porque pitoresco, para cortejos e paradas agrícolas, em parceria com os chapéus de palha exageradamente decorados que para esses eventos se preparavam. De seguida, a replicação pelo menos uma “contratadeira “ou parelha de “contratadores” nos grupos/ranchos folclóricos da área etnogeográfica referida. E, nos dias de hoje, mal do grupo/rancho baixo-minhoto dos concelhos citados que não inclua tal personagem na sua montra, a certeza da crítica certa por tal atrevimento ou rótulo de grupo pobre e indigno.
   Necessário e importante relembrar o estatuto da mulher para a época. Intramuros, a mulher era o elemento mais forte da família, pertencia-lhe o governo da casa assim como a educação das crianças. Fora de portas o universo era todo ele masculino. Logo, do ponto de vista sociológico, muito pouco provável e existência de uma tal personagem no feminino com a importância que lhe pretendiam atribuir. Sozinhas ou acompanhadas por outras mulheres ou crianças iam ao mercado vender ou comprar coisas da casa, produtos da horta, pequenas alfaias, outras necessidades. A venda ou troca de gado era uma actividade no masculino, a mulher seria um elemento estranho e não aceite neste negócio de barba rija e manha certa. A viúva ou senhora solteira socorriam-se de um feitor, caseiro, familiar ou conhecido de confiança para elaborar contratos de troca ou venda de gado. Até o moço e muito excepcionalmente a moça, puxador de bois, numa ida à feira, o fazia já num processo de aprendizagem, de preparação para quando chegasse a sua vez de puxar a soga da vida.
     
“Contratadeira”, a personagem e o seu traje, vale o que vale. No universo do Folclore pouco ou nada valerá. No mundo folclórico, garrido e pitoresco que prolifera no movimento, < sua função plástica está por demais sobrevalorizada, bem acompanhada e ao nível de outras personagens, com os seus trajos mais ou menos imaginosos, como por exemplo, o da leiteira, da sardinheira, da sachadeira, da olhadeira de gado, da lavradeira, da vindimadeira, da paridieira, da parteira, da namoradeira, da coscuvilheira, de pranteadeira, da viúva alegre, e por ai fora. E já agora, a “noiva “e o seu trajo.

  NOTA :(Este artigo de opinião foi publicado no “Jornal Folclore” n.º 209 de Julho 2013 e que desde já peço as minhas desculpas ao seu autor senhor Carlos Rego e ao senhor director do “Jornal Folclore” pela ousadia de o publicar neste blogue sem a sua devida autorização.)