quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Conceito de Tradição




Sabemos e defendemos que preservar a tradição não significa ser retrogrado nem oposição ao modernismo ou aos avanços tecnológicos que revolucionaram o mundo. Mas é antes preservar um enorme manancial de saberes acumulados e a identidade de um povo ou de uma cultura.
Numa perspectiva filosófica e na sequência do historicismo europeu de Benedetto Croce e Schleiemacher, segundo Pires (1795-1983) o conceito de tradição desempenha um papel bastante importante uma vez que o Homem e a História são dois pólos interligados, pois para pensar a História, o homem não pode sair desse campo, dado que o conhecimento e a compreensão que o homem tem de si, da natureza e da história, mergulham na tradição.
Verifica-se assim que a tradição é necessária á compreensão do ser humano, pois cada homem nasce e cresce numa cultura, fala uma língua que já por si, veicula uma visão da realidade.    
A tradição possibilita a compreensão e porventura, pode limitar. A tradição não é algo puramente objetivo frente ao homem; ela constitui o próprio ser do homem. É partindo deste pressuposto que a tradição possibilita ao homem compreender e aceitar a sua situação histórica. No entanto a tradição é entendida como uma norma absoluta de verdade, como autoridade inviolável em filosofia, em ciência mas que paralisa o pensamento e a evolução pois o homem pensa no presente. O presente é carregado de passado. Mas a tradição que não é portadora de futuro, em vez de abrir, fecha o horizonte de compreensão e impossibilita o diálogo com a história e com a comunidade humana.


Do Livro;  
“O Sagrado no Imaginário Barrosão”

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A MATANÇA DO PORCO



A MATANÇA DO PORCO

Era mais ou menos por esta altura do ano, que se iniciavam as matanças dos porcos . Além do seu contributo fundamental para as economias domésticas, a carne do porco criado em casa, desempenhou ao longo do tempo uma função social relevante na configuração social das comunidades.

O porco foi sempre um animal de primordial importância, pois era um fornecedor importante de carne e um alimento rico para as economias rurais mais isoladas.
Tudo se comia e aproveita do porco. À exceção dos dentes, das unhas e dos conteúdos intestinais, tudo o mais era utilizado na alimentação das pessoas.

Em vida, o porco era usado como reprodutor, também designado por “barrão”, dando lucro ao dono, quando este vendia os seus serviços para cobrir as porcas no cio. As porcas, por seu lado, também davam lucro ao dono, quando este vendia os “bacuros” para cevar (porcos que são alimentados e engordados para serem abatidos na altura da matança).
Após a matança, as suas carnes e os seus enchidos serviam de alimento para o ano todo.


A morte do porco, designada por matança (expressão que designa o conjunto de atividades ligadas à morte, à preparação e à conservação das carnes), tinha por hábito a reunião de elementos essenciais a um acontecimento sociológico e etnográfico. Neste acontecimento, juntavam-se os amigos, estabelecia-se o convívio e manifestava-se a cooperação e o trabalho entre os vizinhos.

Antes do dia da matança, faziam-se alguns preparativos importantes e de extrema necessidade para que tudo estivesse pronto no dia. Assim como a  palha, para chamuscar (processo de queimar os pelos do porco) o porco logo após a sua morte.
Para a matança, escolhia-se de preferência um dia bem frio, de geadas, para que a carne fica-se mais rija, permitindo uma melhor conservação. Por sua vez, havia ainda uma crença que era muito respeitada!... Procurava-se evitar-se a lua nova, pois sentenciava o povo, que o porco morto nesse ciclo de lua, era mais propicio a que a carne se estragasse. O quarto crescente era o ciclo lunar preferido.


Por sua vez, o matador teria de ser, para além de um amigo, um homem experiente em assunto de matanças, pois um porco “mal sangrado” implicava alguns desperdícios na quantidade de sangue que poderia ser usado na confeção de certos alimentos, como por exemplo os rojões e as papas de sarrabulho .
A este homem cabia ainda a responsabilidade da desmancha, processo em que a carne era repartida para todo o ano, sendo uma parte salgada e outra transformada em enchidos.
A parte da carne que era salgada, era encaixada na salgadeira, para que toda estivesse bem coberta e revestida de sal. Passados oito dias, era dada a volta à carne, para que não houvesse parte alguma que não tivesse levado sal. Depois de salgada, a carne era transportada para a cozinha a fim de ser fumada, leva cerca de cinco a seis meses a respetiva cura. 


O fumeiro era posto a secar ao fumo em lareiros, isto é, em varas que são colocadas por cima da lareira e ao estarem quase secas mudam-se para não lhes dar o ar e não apanharem lume de mais. Colocam-se nas traves nos lareiros, até secarem de todo. Daqui vão para a caixa e serão usadas ao longo de todo o ano. Outrora havia também, quem as guardasse em azeite. Este facto deu origem até a um provérbio e que nos diz, que “não há sábado sem sol, nem domingo sem missa, nem segunda sem chouriça”.
A matança do porco era vista e vivida como uma verdadeira festa familiar, à qual se juntavam muitos amigos. Era encarada como um dos maiores eventos que moviam a comunidade de uma aldeia, momento de grande confraternização que poderia juntar até dezenas de familiares, amigos e vizinhos. A refeição do dia da matança era essencialmente constituída por produtos do porco, consumindo-se preferencialmente as suas partes mais perecíveis, que não eram salgadas nem fumadas e que duravam até à próxima matança no ano seguinte.


No entanto, a verdadeira festa e por vezes havia até  bailarico ao som de uma concertina ou de uma viola, tinha lugar oito a dez dias após a desmancha e não podia ser confundida com a refeição de trabalho. Tratava-se de uma refeição cerimonial que reagrupava essencialmente os membros da família. Era chamada a ceia dos ossos, por ser o seu prato principal, e em muitas casas o único, composto dos ossos da suão. Nas casas mais modestas, a carne era pouco abundante, escassez esta ironicamente referida pelo provérbio: “Ossos do suão, barba untada, barriga em vão”.

Não obstante, nem todas as pessoas desta sociedade tinham acesso a este manjar minguado. Antigamente, ouve-se por estas paragens muitas vezes, “… toda a gente era pobre e muitos nem tinham porco para matar, os ricos é que lhes davam alguns bocaditos de porco para que fossem comendo algum também.”
Este facto é testemunhado no Minho desde o primeiro quartel do século XX. Os mais pobres ou cabaneiros (todo aquele que não possui uma junta de vacas) comiam bacalhau, ou os miúdos de porco que cada lavrador lhes oferecia quando da matança.



  Texto composto depois de  tirado  de ;    " Gralhas-Minha Terra Minha Gente"



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Vida de um Folclorista










Só um folclorista entende isso. Eu sou um bailador/a, tocador/a ou cantador/a e eu mudei algumas saídas com os amigos por ENSAIOS, o aroma de um perfume pelo SUOR por todo o corpo, noites de festa por uma ACTUAÇÃO, roupas de moda por um TRAJE REGIONAL, eu não me importei o que tive de deixar pelo AMOR e a SATISFAÇÃO de dar o meu melhor no PALCO, e eu sei que os verdadeiros amigos vão entender!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Os Lenços de Namorados




Os “lenços dos namorados” existem por todo o País, com maior incidência no Minho, Alentejo e Açores, sendo no Minho que surge a mais importante recuperação desta arte, como componente fundamental da cultura popular desta região. Os Lenços de Namorados apresentam-se como a mais genuína forma poética e artística utilizada pelas moças do Minho, em idade de casar.

Pensa-se que a origem dos “lenços de namorados”, também conhecidos como “lenços de pedidos”, esteja nos lenços senhoris do século XVII e XVIII, e que foram adaptados pelas mulheres do povo com o fim de conquistar o seu namorado.

Antes de tudo, estes lenços faziam parte integrante do traje feminino e tinham uma função fundamentalmente decorativa.
Eram lenços geralmente de linho ou algodão, bordados segundo o gosto da bordadeira. Mas não é enquanto parte integrante do traje feminino, mas sim de outra função não menos importante, que lhe vem o nome: “A conquista do Namorado”.
A moça quando estava próximo da idade de casar fazia o seu lenço bordado a partir de um pano de linho fino que por ventura possuía ou dum lenço de algodão que adquirira na feira. O lenço era bordado então, nas longas noites de serão, nos momentos livres do dia ou aquando do pastoreio do gado, pela rapariga apaixonada que ia transpondo para o lenço os sentimentos que lhe iam na alma.
A rapariga usá-lo-ia ao Domingo na trincha da saia ou no bolso do avental; mais tarde oferecê-lo-ia somente ao rapaz que amava como compromisso de amor, este passaria a usá-lo ao pescoço, com o nó para a frente, no bolso do casaco do fato domingueiro, no chapéu ou no cajado com o qual normalmente andava.
 Caso a rapariga não fosse correspondida o lenço voltaria às suas mãos. Se o namorado trocasse de parceira, fazia chegar à sua antiga pretendida o lenço, fazendo-o acompanhar de todos os objetos que dela possuía, como cartas e fotografias.
Rica em símbolos e motivos, os mais utilizados são flores, silvas, cântaros, cruzes, brasões, passarinhos, pombas, estrelas de Salomão, cestas, corações, chaves, peças agrícolas, borboletas, peixes, cães, letras, quadras, datas
, coroas, ramos e casais de namorados cobertos ou não com um chapéu-de-chuva.

Outras vezes estes lenços eram motivo de simples brincadeiras ou troca de palavras. Nas festas os rapazes tiravam os lenços das raparigas simulando uma ligação amorosa.
Quando o rapaz já tinha namorada o facto de simular uma ligação com outra ao roubar-lhe o lenço era muitas vezes motivo de desavença entre a sua namorada e aquela a quem o lenço tinha sido roubado.
Desde então, estes lenços têm refletido inúmeros sentimentos de raparigas casadoiras, exprimidos através destes símbolos de fidelidade ou devoção religiosa, onde os erros ortográficos são já uma característica incontornável.


ALGUMAS QUADRAS


Nos lenços dos namorados eram bordadas algumas quadras amorosas, mas nesses tempos ancestrais a maioria da população não sabia ler nem escrever por isso haviam sempre erros ortográficos aqui estão algumas quadradas com os respetivos erros. 

Bai lenço da minha mão
Bai currer a freguesia

Bai dar em formações
Da minha sabeduria

E tanceto eu amarte
Como o lenço branco ser

Só deixarei de te amar
Cuando o lenço a cor perder

Coração por coração
Amor num troques o meu

Olha que o meu coração
Sempre foi lial ó teu

Meu Manel bai pró Brasil
Eu tamen bou no Bapor

Gardada no coração
Daquele qué meu amor

                                         Manuel Abreu Castro

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Opiniões sobre designação de Ranchos Folclóricos ou Grupos de Folclore e Etnografia



                   Os mais atentos, que em Portugal acompanham e vivem o mundo do folclore, já se terão apercebido que o mesmo está repleto de novas ideias, mas pena será que algumas não sejam discutidas com a serenidade que elas merecem num movimento que ainda se debate com bastantes problemas, pois sabemos que muita gente que anda no folclore nada sabe sobre o que é folclore e etnografia e nem sequer tentam ou não querem saber e as novas ideias fazem-lhe confusão. Certo que cada um de nós é credor do direito de opinião, que, no entanto, não pode ser imposto, mas que se respeita, se debate e se aceita ou contesta.
Lavadeiras (Rusga de Joane)
Pessoalmente, há que dizê-lo, não tenho qualquer dificuldade e quando disso é caso, alterar os meus pontos de vista, da mesma maneira que não consigo calar a minha discordância quando a mesma para mim se justifica
Vamos, pois, aos factos e apenas aos factos, pois, de certo modo, parafraseando António Sérgio “as pessoas não se discutem”. E começo por dizer que estou baralhado e como dizia o povo, das duas, uma, ”ou já não percebo nada disto ou andam a brincar com a gente”.
Se bem percebi, há agora quem defenda que a diferença é saber destrinçar o folclore e o que é etnografia, a cultura e o que é recreio e pelo que julgo perceber em cada um dos nossos ranchos ou grupos coabitam os componentes com motivações culturais e outros com motivações simplesmente recreativas. Aquando das deslocações, uns procuram visitar museus e monumentos históricos, enquanto outros vão refrescar para o Café; uns têm uma “atuação” para levar algo em concreto, enquanto outros têm uma “saída” para trazer qualquer coisa. Claro  que a “saída” de um “rancho folclórico” é sempre uma “ação cultural”, pois vai acontecer um “encontro de culturas” e sendo de aplaudir que alguns componentes aproveitam o tempo livre para visitar museus e outros espaços de cultura e outros que procuram o Café. (Não se pode condenar os que se vão refrescar para o Café, desde que o façam com dignidade) O momento cultural é a demonstração/ espetáculo, quando os agrupamentos tentam representar aquilo que as gentes de antigamente faziam no seu tempo de recreio. No fundo, digamos que apenas se trata de maneiras diferentes de ver o assunto. Mas o mesmo já não posso dizer e concordar quando se pretende separar os conceitos de rancho folclórico e de grupo de folclore, atribuindo ao primeiro o papel de seguir as modas e divertir o público com aquilo que são gostos instalados, enquanto ao segundo cabe provocar o aparecimento de novas mentalidades e bem e surpreender o público, obrigando-o a refletir. Claro que é a minha opinião sobre factos e apenas isso e só não fiquei calado, porque o movimento folclórico está cheio de silêncios que não podem continuar. Para mim, rancho folclórico e grupo etnográfico é, por inerência da sua constituição, uma força ao serviço da investigação da defesa e promoção dos valores patrimoniais da comunidade em que se insere, no campo específico das vivências e costumes e das tradições orais. Orais e não só, na medida em que estas se articulam com registos escritos e materiais. Não precisando na (minha opinião) de mudar a sua designação de rancho folclórico para grupo etnográfico para ampliar assim os objetivos para uma descrição atenta das manifestações culturais das populações, a nível regional e local.
Não sei se consegui transmitir aquilo que penso e tenho analisado nas mais diversas opiniões que tenho ouvido, mas se algo errado, desde já as minhas desculpas…
Ora bem, mas se está correcta esta minha interpretação, fico contente, pois o mundo do folclore que coabito é o mesmo.
                                                      Manuel Abreu Castro