quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A MATANÇA DO PORCO



A MATANÇA DO PORCO

Era mais ou menos por esta altura do ano, que se iniciavam as matanças dos porcos . Além do seu contributo fundamental para as economias domésticas, a carne do porco criado em casa, desempenhou ao longo do tempo uma função social relevante na configuração social das comunidades.

O porco foi sempre um animal de primordial importância, pois era um fornecedor importante de carne e um alimento rico para as economias rurais mais isoladas.
Tudo se comia e aproveita do porco. À exceção dos dentes, das unhas e dos conteúdos intestinais, tudo o mais era utilizado na alimentação das pessoas.

Em vida, o porco era usado como reprodutor, também designado por “barrão”, dando lucro ao dono, quando este vendia os seus serviços para cobrir as porcas no cio. As porcas, por seu lado, também davam lucro ao dono, quando este vendia os “bacuros” para cevar (porcos que são alimentados e engordados para serem abatidos na altura da matança).
Após a matança, as suas carnes e os seus enchidos serviam de alimento para o ano todo.


A morte do porco, designada por matança (expressão que designa o conjunto de atividades ligadas à morte, à preparação e à conservação das carnes), tinha por hábito a reunião de elementos essenciais a um acontecimento sociológico e etnográfico. Neste acontecimento, juntavam-se os amigos, estabelecia-se o convívio e manifestava-se a cooperação e o trabalho entre os vizinhos.

Antes do dia da matança, faziam-se alguns preparativos importantes e de extrema necessidade para que tudo estivesse pronto no dia. Assim como a  palha, para chamuscar (processo de queimar os pelos do porco) o porco logo após a sua morte.
Para a matança, escolhia-se de preferência um dia bem frio, de geadas, para que a carne fica-se mais rija, permitindo uma melhor conservação. Por sua vez, havia ainda uma crença que era muito respeitada!... Procurava-se evitar-se a lua nova, pois sentenciava o povo, que o porco morto nesse ciclo de lua, era mais propicio a que a carne se estragasse. O quarto crescente era o ciclo lunar preferido.


Por sua vez, o matador teria de ser, para além de um amigo, um homem experiente em assunto de matanças, pois um porco “mal sangrado” implicava alguns desperdícios na quantidade de sangue que poderia ser usado na confeção de certos alimentos, como por exemplo os rojões e as papas de sarrabulho .
A este homem cabia ainda a responsabilidade da desmancha, processo em que a carne era repartida para todo o ano, sendo uma parte salgada e outra transformada em enchidos.
A parte da carne que era salgada, era encaixada na salgadeira, para que toda estivesse bem coberta e revestida de sal. Passados oito dias, era dada a volta à carne, para que não houvesse parte alguma que não tivesse levado sal. Depois de salgada, a carne era transportada para a cozinha a fim de ser fumada, leva cerca de cinco a seis meses a respetiva cura. 


O fumeiro era posto a secar ao fumo em lareiros, isto é, em varas que são colocadas por cima da lareira e ao estarem quase secas mudam-se para não lhes dar o ar e não apanharem lume de mais. Colocam-se nas traves nos lareiros, até secarem de todo. Daqui vão para a caixa e serão usadas ao longo de todo o ano. Outrora havia também, quem as guardasse em azeite. Este facto deu origem até a um provérbio e que nos diz, que “não há sábado sem sol, nem domingo sem missa, nem segunda sem chouriça”.
A matança do porco era vista e vivida como uma verdadeira festa familiar, à qual se juntavam muitos amigos. Era encarada como um dos maiores eventos que moviam a comunidade de uma aldeia, momento de grande confraternização que poderia juntar até dezenas de familiares, amigos e vizinhos. A refeição do dia da matança era essencialmente constituída por produtos do porco, consumindo-se preferencialmente as suas partes mais perecíveis, que não eram salgadas nem fumadas e que duravam até à próxima matança no ano seguinte.


No entanto, a verdadeira festa e por vezes havia até  bailarico ao som de uma concertina ou de uma viola, tinha lugar oito a dez dias após a desmancha e não podia ser confundida com a refeição de trabalho. Tratava-se de uma refeição cerimonial que reagrupava essencialmente os membros da família. Era chamada a ceia dos ossos, por ser o seu prato principal, e em muitas casas o único, composto dos ossos da suão. Nas casas mais modestas, a carne era pouco abundante, escassez esta ironicamente referida pelo provérbio: “Ossos do suão, barba untada, barriga em vão”.

Não obstante, nem todas as pessoas desta sociedade tinham acesso a este manjar minguado. Antigamente, ouve-se por estas paragens muitas vezes, “… toda a gente era pobre e muitos nem tinham porco para matar, os ricos é que lhes davam alguns bocaditos de porco para que fossem comendo algum também.”
Este facto é testemunhado no Minho desde o primeiro quartel do século XX. Os mais pobres ou cabaneiros (todo aquele que não possui uma junta de vacas) comiam bacalhau, ou os miúdos de porco que cada lavrador lhes oferecia quando da matança.



  Texto composto depois de  tirado  de ;    " Gralhas-Minha Terra Minha Gente"



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