sábado, 3 de março de 2012

Porque os políticos desprezam o Folclore?

Uma vez mais, por ocasião da passagem de ano, a comunicação social vai mostrar-nos um grupo folclórico proveniente de uma região algures do país a cantar as janeiras ao Presidente da República e ao Primeiro-ministro e a serem recebidos com grande hospitalidade nas respectivas residências oficiais. Trata-se de um momento particularmente enternecedor porquanto ficamos plenamente persuadidos de que, ao receber em suas casas a gente simples que lhes bate à porta para lhes pedir alvíssaras e entoar umas quadras ao jeito popular, suas excelências partilham dum profundo sentimento de pertença ao povo pelo que, tal como este, apreciam os gestos humildes e a nossa cultura tradicional.

Mas, quando procuramos recordar aquilo que, enquanto governantes, fizeram pela preservação do nosso folclore enquanto parte integrante da cultura do povo português, constituindo o seu próprio património imaterial, somos assaltados pela sensação de que fomos burlados e que, afinal de contas, toda aquela exibição perante as câmaras de televisão que ali são chamadas a registar o acontecimento não passa de uma farsa. Aliás, também para as estações televisivas esse constitui o único pretexto para que um grupo folclórico possa ser transmitido. Mas, ainda assim, continuaremos a bater-lhes à porta para lhes pedir alvíssaras!


Aqueles que ao folclore dedicam grande parte das suas vidas são uma espécie de “pau para toda a obra”. Em tempo de campanha eleitoral, lá estão os ranchos folclóricos a animar os comícios ou, seguindo atrás dos candidatos, a rufar os bombos para que o povo se aproxime. Frequentemente, a animação reduz-se à tocata que desse modo participa disfarçada como se de uma mera claque partidária se tratasse. O entusiasmo dos folcloristas que participam em tais campanhas é proporcional à probabilidade do candidato vir a ser eleito ou, porventura, do contrato estabelecido com vista à sua participação e prende-se inevitavelmente com a perspectiva de poder vir a receber alvíssaras… por isso, correm atrás de qualquer um, desde os que concorrem para os cargos mais elevados aos que apenas anseiam o governo da paróquia.


A disponibilidade de alguns ranchos folclóricos não tem limites, indo ao ponto de participar nas manifestações sindicais como um palhaço anima o circo. É que, como facilmente se deduz, caso a actuação não seja imediatamente paga, sempre existirá a esperança de algum sindicalista vir a ocupar um cargo político. E, caso tal hipótese venha a concretizar-se, poderá o dito rancho vir a receber alvíssaras.


Contudo, aqueles que em tais ocasiões se fazem rodear por grupos folclóricos que os ajudam nas suas campanhas ou vão bater à sua porta para lhes cantar as janeiras são precisamente os mesmos que frequentemente se referem ao folclore de forma depreciativa, insistem em lembrar que foi um dos três efes com que o anterior regime alienava o povo e não o consideram nos grandes eventos culturais nem lhe conferem apoio e visibilidade ao contrário do que sucede com outros investimentos em realizações de interesse cultural duvidoso.


Todos nós sabemos o desprezo com que o folclore é tratado, atitude que é extensível a todos quantos a ele se dedicam. Mais ainda, sentimos o estigma a que o mesmo foi votado por, alegadamente, ter sido utilizado como instrumento de propaganda do Estado Novo, deduzindo-se desse facto uma cumplicidade e um saudosismo reaccionário por parte daqueles que amam aquilo que de mais genuíno nos pertence. Desdém, aliás, que não exclui milhares de jovens que jamais chegaram a conhecer o anterior regime. Lamentamos constantemente a falta de apoio a que o folclore é votado. Mas, respeitosamente curvados, continuaremos a bater-lhes à porta na expectativa de algum dia poder o folclore vir a receber alvíssaras!


                                                          Do Portal do Folclore

                                                            Carlos Gomes

                                                           Jornalista, Licenciado em História

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